"A imaginação é mais importante que o conhecimento."

Albert Einstein



segunda-feira, 2 de março de 2009

Memórias




Esses dias me veio na memória uma lembrança inusitada. Graças a um livro, mas precisamente a um texto na qual a autora fala de um bicho de estimação que a filha teve. Um bicho, digamos estranho para se ter em pleno Rio de Janeiro. Um pato! O meu animal não foi um pato, mas um pintinho. Não lembro o nome dele, se é que ele realmente tinha um, mas você pode inventar.

Como quase toda criança de cidade pequena, tive muito contacto com animais e sempre fui um tanto chegada a eles, dá-se aí meu interesse em Biologia. Tive peixes, periquito, cachorros e um pintinho, que no caso é o dono dessa história. Todos com fim dramático. Pois bem, parando com os blá blá blás, vou contando o ocorrido, porém antes de seguir peço encarecidamente que : SEM PIADINHAS INFAMES! Acredite, é tudo muito inocente.


Ganhei-o na escola, numa dessas temporadas de festas entre crianças (se eu não me engano era Páscoa ou algo relacionado à religião). A directora teve a ideia de dar aos alunos da creche aquele animal fofo (são poucos os filhotes de quase um mês serem feios). Não lembro bem qual era a intenção dela, só sei que as crianças fizeram a farra ao ver aquele bando de bichinhos amarelos dentro de cestas coloridas. Depois da farra, da felicidade de todos, ainda mais da directora que achou que tinha feito algo inovador e surpreendente, as crianças foram pra casa levando seus pintinhos, e eu toda boba, levando o meu. Até aí tudo bem, o fato é que o animal era um filhote, precisava de cuidados e atenção, não era um brinquedo, era um ser vivo.

Inofensivo, diria. Até acordar todo mundo na manhã do dia seguinte com um pio tão fino que mais pareciam agulhas entrando pelos ouvidos afora e estourando balões de sonhos. Como poderia imaginar aquele ser tão pequeno e indefeso piar tão alto? Claro que depois disso não só eu, mas como toda minha família e muito provavelmente os vizinhos, tínhamos acordado. Como deve ter sido xingado aquele bicho, deve ter tido até juras de panela.

Como ainda era muito pequenino e frágil, alguém tinha que cuidar dele e eu fui incumbida dessa tarefa. Dava comida, água, levava o animal pra tudo quanto é lado e até arrumei um caixinha de sapato com panos e uns ursinhos para ele não sentir só a noite. Enfim, foi tratado como um bicho de estimação, o que de fato ele não era. Como a maioria dos filhotes, ele viu na pessoa mais próxima a imagem de uma mãe, e então passou a andar atrás de todo mundo lá de casa, literalmente. Ele saia correndo atrás da pessoa, de modo que fazia todos andar cautelosamente para não fazer o pintinho virar um patê a qualquer movimento brusco.

Infelizmente, numa tarde calorosa, meu pai esqueceu-se do ser amarelo e sem querer, tentando voltar da porta da sala, deu uma leve pisada no pobre animal. Lembro até hoje do som que o bicho fez. Atadinho, ficou entre a vida e a morte, todo molenga. Lembro-me que fui correndo pegar ele e coloquei-o na caixinha com mais ursinhos. E quanto mais o bicho tremia, quanto mais ele piava, mais eu rezava. Era de cortar o coração o sofrimento dele, pode até parecer frescura minha, mas que era triste, era. E não era só eu que sentia não, meu pai ficou com remorso pela a dor do animal. O bicho sofreu o dia inteiro e quando finalmente chegou a noite, minha mãe, tendo as duas filhas sentadas uma de cada lado, pegou o animal na palma da mão. Ali, naquele momento, vimos o fim do pintinho, o último suspiro, o fechar dos olhos. Dramático, não?

Após tudo isso, enquanto minha irmã e minha mãe ficaram em casa, eu fui a missa com minha avó. Não lembro de uma missa tão assustadora quanto aquela, podia ouvir os pios a ecoar na igreja e era só eu que ouvia, mas tarde soube que minha irmã ouvira o mesmo em casa. Hoje acho que aquele piar era coisa da mente de duas crianças que estavam aprendendo a lidar com a perda.

Um tempo depois ouvi comentários na escola sobre os outros pintinhos. Descobri que todos tiveram o mesmo desfecho. Cedo ou tarde. Seja esmagado, cozido, assado... O caso é que a directora descobriu que a ideia além de inovadora e surpreendente, era estressante. Agora ela tinha crianças traumatizadas e pais loucos tentando acalmá-las. Acho que ela não pensará em pintinhos nem tão cedo...




Mas são tão lindinhos !!!

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